Mas o que vem a ser isto?

Numa tarde de Outono em que a ociosidade dominava todo o ambiente doméstico, Pancrácio Antímio sentia-se aborrecido.

Este intrépido aventureiro encontrava-se sem nada de novo para fazer, sem nenhum trabalho que pudesse eliminar o tédio que sentia naquele momento: não tinha mais tesouros para caçar no mundo perdido da Atlântida de Baixo, a prima afastada da outra Atlântida, mais conhecida internacionalmente, e que se situava nos confins de um pantanal lá para os lados de uma barragem improvisada pela câmara municipal de Santa Efigénia dos Tremoços; nem tinha qualquer pista nova que justificasse retomar a sua antiquíssima investigação para encontrar o paradeiro do príncipe D.Canestiano IV, herdeiro ao trono da Grunitiviera, desaparecido numa manhã de nevoeiro sem deixar rasto enquanto estava a torrar duas fatias de pão alentejano para, posteriormente, barrar com marmelada e adicionar um pouco de queijo gouda; e por fim, tinha acabado a busca pelos três cromos raros que lhe faltavam para completar a caderneta dedicada ao plantel do Benfica da época de 72/73 - aquela que nenhum adepto do clube gostaria de lembrar com carinho, já que o SLB fora eliminado nos oitavos de final da Taça de Portugal pelos Leixões, sendo o Sporting o campeão dessa saga esférica. Pancrácio recordava, com um enorme orgulho, que entre todas as suas conquistas, esta era a de que mais se orgulhava, já que assim tinha cumprido um desejo antigo do seu Tio Necrotério Navolta, que até lhe tinha deixado a dita caderneta em testamento, sabendo do grande interesse do sobrinho por este achado arqueológico.

Não havia nada para passar o tempo, e por isso Pancrácio sentia que cada minuto durava cerca de um “Lawrence da Arábia” (que é como quem diz, quase quatro horas). Folheara uma, duas, setenta e quatro vezes o pasquim da terra, analisando minuciosamente cada artigo, frase, palavra, letra, espaço em branco, à procura de algo com que pudesse entreter a mente, ou então, uma sugestão para uma nova aventura. Já sentia náuseas só de olhar para a página dos passatempos, onde fizera, e refizera milhentas vezes, as Palavras Cruzadas, contornando tanto as letras das palavras que escrevera que já tinha essa folha à beira do rasganço completo. No que toca ao jogo das Seis Diferenças, já ninguém conseguiria perceber onde é que elas estavam, de tão rabiscados que os desenhos se encontravam. Excepto o facto do boneco da direita ter um boné amarelo e o do da esquerda ser azul - ainda dava para desvendar isso, entre tantos riscos provocados por uma esferográfica com um prazo de vida  não-renovável.

Mas, por vezes, é no aborrecimento e na aleatoriedade das coisas que surgem as melhores ideias. De repente, Pancrácio foi iluminado pela lâmpada imaginária que surge em cima da cabeça de um indivíduo quando se sente que um momento de “Eureka!” está prestes a acontecer.

Pancrácio recordou-se de uma conversa de café que tivera há uns dias com Timonísio Celso, um dos seus melhores amigos, sobre o maravilhoso e distante mundo da blogosfera. Houvera um período na História da Humanidade, do qual Pancrácio e Timonísio fizeram parte com muito entusiasmo, em que uma coisa chamada “blogs” tivera um papel preponderante na internet e nas relações entre os internautas. Um pouco antes do florescimento e posterior domínio das redes sociais, os blogs eram espaços de opinião, ou de outra coisa qualquer, em que cidadãos mais ou menos anónimos aproveitavam para dar ao mundo a sua visão das coisas. Havia tempo para que os leitores fossem confrontados com textos longos sobre as mais variadas temáticas, sem que se sentissem tentados a ir investigar que nova foto de pugs estava a ser uma sensação no instagram, ou qual o disparate mais recente feito por um qualquer youtuber da moda.

Por isso, Pancrácio ligou rapidamente a Timonísio e explicou-lhe a sua ideia. Seria provavelmente a maior empreitada da sua vida, mas o amigo gostou da mesma e, assim, começaram logo a pôr mãos à obra. 

O objectivo: voltar a fazer justiça ao conceito de blog, e convidar um sem-número de pessoas com ideias e dotes inigualáveis de escrita para desenvolverem textos sobre o que quisessem, quando quisessem e onde quisessem. Sem limite de palavras ou caracteres, sem qualquer tipo de censura (excepto, claro, coisas que possam ser racistas ou homofóbicas) ou de condicionalismos, sem pensar "no que é que as pessoas querem ler e que vai dar views", e com um editor que servirá apenas para corrigir eventuais gralhas ou erros de ortografia/pontuação. Todos os domingos, o estaminé virtual publica um desses textos, que serão sempre completamente diferentes dos anteriores. Não há linha editorial, nem nada que tenha sido pensado previamente. A cada semana, os (hipotéticos) leitores serão surpreendidos com um texto novo de um desses autores, quer seja ficção ou opinião, crónica ou folhetim, poesia ou banda desenhada. 

Este blog, que por fugir à norma, por não olhar aos likes nem às visualizações, por ser feito apenas pelo amor dos seus escritores, por apresentar textos que a realidade cibernética veloz e super-estimulada por variadas estupidezes parece querer desprezar, e por não se coadunar às regras com que são criados os "blogs" populares da actualidade (que são autênticos centros comerciais onde o visual todo giro é mais importante que o conteúdo, que é nulo, com mais publicidade e imagens trendy do que o cunho pessoal dos seus autores), chamar-se-á Má Educação e não viverá nas/das redes sociais, tendo apenas uma página de facebook para servir como reminder semanal de cada vez que sai um novo post. Mas os dois amigos queriam acreditar que, talvez, se algumas pessoas ficassem minimamente interessadas pela sua ideia, que colocariam o blog nos favoritos do seu browser de eleição, e que o iriam consultar sempre aos domingos, expectantes pela postagem de cada nova surpresa. 

É claro que, quando perceberam que na realidade eram somente duas figuras irreais e extremamente mal construídas e impossibilitadas de obter mais tempo de antena do que o oferecido por este texto, já que apenas tinham servido para o criador deste blog ter um fait-divers parvo para justificar a explicação dos propósitos do seu projecto, Pancrácio e Timonísio começaram a protestar violentamente. Tentaram forçar a todo o custo as barreiras do seu mundo ficcional de cartão, mas o autor decidiu acabar esta história aqui, nesta mesma frase, para conseguir interromper a vida das suas personagens a tempo de prevenir algum tipo de catástrofe que pudesse provocar a colisão entre os mundos da realidade e da imaginação.

Até ao próximo domingo! 

Rui Alves de Sousa

Comentários

  1. O meu primeiro blog nasceu neste dia 14 de Janeiro, em 2004. Desde então, já perdi a conta ao número de blogs que nasceram e morreram, para o que o Facebook e o Twitter deram uma grande "ajuda". Já adicionei o "Má Educação" aos links, vou acompanhar. Abraço, Rui.

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    1. Olá António,

      agradeço as simpáticas palavras!

      O meu blog pessoal anda a viver num limbo constante entre a vida e a morte, já que tenho uma série de textos lá por acabar... talvez um dia destes. Para já, vai continuar seguramente este blog, índole colectiva, e começaremos apenas com um post por semana, com um autor, estilo e tema sempre diferentes. Vamos lutar contra a "pressão" das redes, tendo apenas o facebook como lembrete de cada vez que sai um novo post. Mas quero acreditar nesta ideia utópica de conseguir que as pessoas acedam directamente ao blog através dos favoritos. Vamos ver como corre - e independentemente das "views", vamos estar cá sempre todos os domingos. E os próximos textos prometem!

      um abraço,
      rui alves de sousa

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  2. Exactamente!!!
    Nunca desistir e ser perseverante e imaginativo! Parabéns e... "in bocca al lupo"

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