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A mostrar mensagens de março, 2018

Três Poemas para um Jovem Enfermo

I - Enxaqueca   o quarto está frio e a luz entra pelas frinchas da persiana magoando-me os olhos recém despertos penetra a carne como um fino ferro passa pelos músculos tropeça nuns quantos órgãos vitais e aloja-se nos ossos levanto-me com dor mas só porque a fome o obriga e amaldiçoo-te sem freio o que tínhamos era bom e eu não tenho idade para sofrer de reumático II - Febre aperto os pulsos à espera de algo mais de tudo menos o cilício dos lençóis de tudo menos o breu brutal da realidade de tudo menos o nada para que me dão palavras que se partem nas minhas mãos são brinquedos que não sei usar que desaparecem algures na neblina mental tudo menos o lugar em vez de mim quisera eu que fosse um sonho mas nem sei o que isso é verguei-me ao sorvedouro entrei dobrado e só dobrado dele sairei tudo menos o amanhã porque é assim não sei eu nem ninguém a piada é universal o choro convulsivo o choro salino

Não mata mas pica

Já todos aqui levámos uma. Eu já, tu também, os teus vizinhos e primos não ficam de fora e até a dona Irene do 2.º já levou, pelo menos uma vez na vida.  Não estou a falar de vacinas. Coima.  Até é uma palavra difícil de pronunciar. E mais difícil ainda de engolir. Mas tenho uma teoria: sâo elas o ritual de passagem para a idade adulta.  Se ainda não deixaste a tua inocência por aí em alguma estação de metro, comboio, num estacionamento mal feito ou mal pago ou numa rotunda à noite onde o balão marca mais de 0,5, então este texto não é para ti, seu assíduo leitor da Bravo e colecionador de posters dos D’ZRT. Ainda não passaste pela experiência de ser esvaziado da tua essência de teenager enquanto te aparecem magicamente duas rugas de expressão, uma senha das finanças e uma declaração do IRS nas mãos.  (E olhem, isto não é um texto sobre uma multa)  Uma mulher vai criando uma imagem agradável de si própria - sente-se respeitável, uma lady na mesa, ocasionalmente

Reflexões sobre naturezas-mortas a partir de impressões de movimento

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A PLACE IN THE SUN (1951). Cansado e imerso em tormentas infindas, ele pousa a cabeça no regaço da sua quimera, que o olha ternamente. A pietà antecipada, porque ela ainda não percebeu que a perdição lhe está próxima. Mas os seus olhos são claros e trágicos, e quando ele os lança no rosto dela, cheios de esperança, a mágoa ressoa fulminante no peito e encaminha-o, por fim, para o abismo. O seu destino, a sua consciência, numa palavra, a sua salvação , decide-se ali. O desastre físico será o resultado mecânico, inevitável, de uma engrenagem posta em acção por aquele duplo olhar: a ousadia de uma esperança impossível mas que o encandeia no seu fulgor; o apelo de piedade a um amor mais alto, ideal e puro, que o traiu. A PLACE IN THE SUN (1951).  Poor Alice . Não é fácil a vida de uma rapariga que cresceu em L.A. nos anos quarenta. Nesses dias, o sonho do prince charming era servido em todos os cinemas, ao longo de múltiplas sessões diárias. Para Alice, que se servia abun

O Peixinho Dourado de Deus

Um dia, aliás, no dia, Deus criou o céu, a terra e todas as coisas que nela habitam. Ao Homem, que havia criado à sua imagem e que por isso gozava de um favoritismo que os outros invejavam, deu o livre arbítrio para que este pudesse gerir o seu Fado como bem entendesse. Era Sua intenção que com esta faculdade pudesse Ele não se preocupar mais com o destino da Terra, e assim desfrutar de umas eternas férias. Assim o fez, e no segundo seguinte a pegar nas suas malas em direcção a um interrail pelo Espaço, o Homem já lhe estava a encher o voice mail de pedidos e preces. Por infortúnio, e uns copos a mais bebidos na estância balnear de Alpha 7, o Criador embateu num buraco negro, e vendo o tempo e o espaço dobrarem-se perante Ele, foi teletransportado para as imediações do Sistema Solar. No inesperado houve sorte, e aproveitando o facto de estar tão perto de casa, Deus decidiu lá fazer uma rápida paragem, para se limpar das poeiras cósmicas com um belo duche quente, e tomar um Guron