Três Poemas para um Jovem Enfermo
I - Enxaqueca
o quarto está frio
e a luz entra pelas frinchas da persiana
magoando-me os olhos
recém despertos
penetra a carne como um fino ferro
passa pelos músculos
tropeça nuns quantos órgãos vitais
e aloja-se nos ossos
levanto-me com dor
mas só porque a fome o obriga
e amaldiçoo-te sem freio
o que tínhamos era bom
e eu não tenho idade
para sofrer de reumático
II - Febre
aperto os pulsos
à espera de algo mais
de tudo menos o cilício dos lençóis
de tudo menos o breu brutal da realidade
de tudo menos o nada
para que me dão palavras
que se partem nas minhas mãos
são brinquedos que não sei usar
que desaparecem algures na neblina mental
tudo menos o lugar em vez de mim
quisera eu que fosse um sonho
mas nem sei o que isso é
verguei-me ao sorvedouro
entrei dobrado e só dobrado dele sairei
tudo menos o amanhã
porque é assim não sei eu
nem ninguém
a piada é universal
o choro convulsivo
o choro salino de milhões de derrotados
tudo menos o meu também
III – Náuseas
havia pétalas e lágrimas
e tudo me lembrava o que um dia tivera
tudo era ar
depois da confusão e do turbilhão
para mim o esquecimento
só tijolo e frio
ramos e sacos volteando
os carneiros que passeiam em cortejo na avenida
nunca serão pessoas mas terão sempre o sol mais quente
para as pessoas a sombra
para mim o esquecimento
Gil Gonçalves
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