À la carte de condução

Ocasionalmente aparece em artigos culinários e reviews de restaurantes a apelativa ideia de que uma boa refeição é uma viagem pela gastronomia, pelos sabores, pelos sentidos... e como na maioria das viagens, existe um momento de pesquisa e de preparação prévia, e são feitas escolhas a gosto, desde o caminho mais cénico ao cálculo do trajeto mais rápido. 

Esta viagem promete ser ligeiramente atribulada. Vai ser uma total misturada de termos culinários, noções de condução e, ainda, uma pitada de cinema, para no fundo apenas descrever acidentes de percurso. As analogias excessivas vão dar a volta ao estômago e fazer enjoar – mas o texto é breve. Apertem então o cinto de segurança. 

Entradas

18 aniversários salteados e pastéis de idade tenra. 

Os 16 anos são sweet e os 18 também têm as suas propriedades adoçantes, mesmo que possam conter vestígios de frutos menos saborosos. É a altura dos rótulos e dos vícios, mas também do entusiasmo e dos sonhos, dos bons disparates e das memórias sempre jovens. A entrada no escalão “maior de idade” vinha recheada de expectativas: o direito e dever ao voto; a sensação de uma participação mais ativa e adulta na sociedade; a piada parola do “Cuidado com o cadastro” (que não dispensa seriedade); e a cereja no topo do bolo, a possibilidade de tirar a carta de condução. 

Maior do que a necessidade nutritiva, era a sede e a vontade de alimentar o desejo da condução. Era a gula, um sinónimo de capricho… numa geração Fast and Furious. 

Prato Principal

É importante não ficar deslumbrado e empanturrado com as entradas. O que vem a seguir pode cair-nos mal.

Todos aqueles grandes chavões sobre teoria e prática acabam por fazer ainda mais sentido quando, de facto, se aprende com a experiência o que antes apenas se conhecia no papel: a teoria e a prática são matérias diferentes. Saber o caminho não é o mesmo que percorrê-lo. 

O fracasso é duro, voltar a falhar é duplamente duro. E a azia é algo a evitar. 

A velocidade furiosa deixou a toalha manchada de vin, e o diesel foi mal empregue. Caramba, se são nódoas difíceis de remover… 

Há-que cortar com a amargura para impedir que esta seja voraz. E aproveitar os acompanhamentos.

Os acompanhamentos estão para a refeição como o co-piloto está para a viagem. No nosso Portugal, o que seria do clássico Grão com Bacalhau se ambos não partilhassem o mesmo prato? E, de um ângulo mais universal, basta um fio de esparguete para uma mudança determinante na história (sabem-no as damas e os vagabundos). 

O motor do carro pode ir abaixo mas – e por muito foleiro que possa soar – quem o comanda tem literalmente a chave na mão. Tem a ignição, o controlo das mudanças e a direção. Mais uma dose?

Sobremesas

Para terminar de forma confortável, apresenta-se uma seleção de 2 citações, provenientes de filmes com carros e condutores, mas sobre algo mais que carros e condutores. 

Speed Racer (2008) é um filme com muita ação e efeitos especiais, realizado pela dupla Wachowski. As cores são vibrantes. Contudo, conhecem-se também tons mais gentis, e de igual vivacidade, pelas palavras da figura maternal (Susan Sarandon): "Speed, when i watch you do some of the things you do, i feel like i’m watching someone paint or make music. I go to the races to watch you make art. And it’s beautiful and inspiring and everything that art should be”. Em ambiente familiar, este é o encorajamento, sem prémios de consolação. 

Em Rush – Duelo de Rivais (2013), a motivação vem do lado do adversário. Neste rigoroso filme de Ron Howard, fica clara a diferença entre “rival” e “inimigo”: numa pista onde só os rivais são postos à prova. Sente-se o respeito e o incentivo através da competição quando Niki Lauda (Daniel Brühl) reage a James Hunt (Chris Hemsworth): “…watching you win those races while i was fighting for my life, you were equally responsible for getting me back in the car”. 

Como extra, há ainda a possibilidade de pedir Lições de Condução (2006), de Jeremy Brock, mais ligeiro e não menos elucidativo. Um filme que remete novamente para a tenra idade. Já avançámos uns quantos quilómetros e foram marcos que ficaram na estrada. 

Este é o menu, e está na altura de escolher. As escolhas continuam e isso é bom sinal. É sinal de que as podemos fazer, e sinal verde para novas viagens. 

Joana Geraldes (texto e ilustração)