Hierarquia das Limpezas

Bem-haja, caro leitor. O cronista encontra-se neste momento em viagem na sua vigésima translação ao sol. Por isto confira-se-lhe alguma aptidão para a rebeldia, na história chocante que se segue.

Estava o cronista sentado na aba de um sofá, e colocou os seus pés, ou os seus sapatos por interposto de seus pés numa cadeira. Aí, alguém apela a que retire seus pés da cadeira porque “eu sento-me aí.” É está a história. Como vê, o cronista quebrou o contrato social do sagrado código locais onde se pode pôr os pés. Por outro lado, não tendo faltado a nenhuma palestra do curso tira os pés daí antes que apanhes uma lamparina, administrados quase cirurgicamente por seus pais, cedeu ao pedido e retirou relutantemente os pés da cadeira. Relutantemente, por duas razões. A primeira das quais, é que “Relutantemente” parece uma palavra esperta no que concerne advérbios de modo, mas que o cronista aprendeu a jogar Football Manager. De seguida, porque lhe surgiu uma questão: quando é que os rabos, ou as calças que cobrem o rabo, subiram de lugares na hierarquia de lugares que não podem ficar sujos? 

Antes de prosseguir, o cronista gostaria de expressar que não se opõe a esta escalada da tabela classificativa da higiene têxtil. Tenha sido acaso, ou a contratação de Bruno Lage para a equipa técnica, foi uma boa campanha, que permanecerá bonita mesmo que acabe por falhar, porque o contrato vai até 2023. No entanto, esta primazia da higiene das calças não passa de uma moda, que numa questão de anos irá sofrer uma qualquer mutação. Tal como o Dadaísmo era giro, mas depois foi substituído pelo Surrealismo, que, segundo um livro que o cronista está a ler, também era giro; a santidade das calças irá ser substituída pela limpeza de outra coisa qualquer. Talvez um dia se diga “olha, podes tirar as calças do chão por favor? Vais sujar as minhas pantufas novas.“ Atenção, o cronista não deambula pela cidade pisando mesas, camas, estantes ou outras formas de mobiliário. Para si, comida, pessoas acalentadas ou livros, respetivamente, encontram-se acima de calças na lista coisas que não devem ficar sujas

Na nossa travessia do mundo, a importância que damos como sociedade às calças sofre mutações? Em petiz, as calças não importam. Seja na relva, na areia, na lama ou na calçada, as calças podem tocar no chão. No pico da rebeldia, quantas calças são amiúde sujas em chãos alheios, quando sob influência de Deus Baco? Pede-se uma explicação para esta discrepância nos valores. Mas rápido, que o cronista estava confortável com os pés na cadeira.

Daniel de Mira

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